sábado, 20 de março de 2010

Desventuras

"Somente o pintor e aqueles que sabem ver têm acesso irrestrito ao espaço mágico."

Essa é uma de minhas histórias favoritas, apesar de ela ainda não ter sido inventada. Pode-se dizer que a escritora está em um processo demorado de manutenção da mente; procurando meios de ressuscitar entrelinhas perdidas. Por motivos meramente incompreensíveis aos olhos fadados à realidade sem fantasia, Dill (o pseudônimo escolhido pela escritora no conto de hoje) arrumou os prós e contras à mesa, a fim de que a história seja inventada. Embromações serão desnecesárias no decorrer das linhas. Exceto, é claro, na introdução.
Devo mencionar que a narrativa deve ser narrada a partir do fim, não do começo. Há coisas impossíveis que somente tornam-se possíveis no fim da meada, na transição de um verso a outro. Se essas coisas fossem reveladas no cabeçalho da página, elas tampouco distinguiriam o possível do impossível.
Iniciando a embromação do cumprimento, nada mais justo do que apresentar a personagem que melhor sabe separar a fantasia da realidade e, ainda assim, mesclar ambas nos momentos de silêncio. Elise preferia viver em seu próprio mundo enroscado nas camadas do mundo em que seus pensamentos não eram entendidos, compreendidos ou compartilhados. Ninguém reconhecia suas entrelinhas, tampouco sabiam o que era realizado por suas mãos no decorrer dos dias. Não era uma garotinha isolada do resto, mas também não era mais garota. Como os longos cabelos de ébano, Elise crescera em altura e maestria. Os dedos longos, brancos e sempre gelados teciam melodias sobre as teclas do velho piano herdado da mãe já falecida, como aranhas moldavam suas teias em um infinito espaço de tempo. Os olhos, profundos e silenciosos como um poço de vilarejo, por vezes gritavam, espantando epifanias à mercê das notas. Era sua única distração, sua única paixão em um conceito que ela mesma desconhecia; o golpe da graça. O resto é que se desviava dela, como um curso de trem modificado às pressas. Engrenagens iam formulando suas próprias rotas na estranheza adquirida diante da janela do sobrado onde Elise residia. A garota que não mais se encaixava nesse perfil, no ápice de seus 19 aprendera a seguir seu nariz em momentos de dúvida e desespero. Na melancolia ela traçava a felicidade de ser triste, quando vez ou outra conversava em paz consigo mesma. Não eram conversas muito proveitosas para serem levadas adiante; serviam mais de mercadoria indispensável. Em um resumo embromado, Elise era assim: uma recém jovem na busca contínua de uma identidade que a servisse devidamente. Algo que não fosse um espartilho, e sim algumas peças que lhe fossem confortáveis e a permitissem seguir sempre em frente com segurança na direção dos campos verdes. Os olhos gritantes desbravavam sonhos em cifras, os cabelos soltos corriam na leveza do vento e as poucas palavras pronunciavam-se na força da tempestade. Como um pintor, Elise tinha total acesso à sua única magia de mundo moldada nas teias de suas vontades. Ela era maravilhosamente estranha aos olhos da escritora. Uma peça única no xadrez. A excessão da desventura que se iniciava a partir do fim.
Aqui, dependendo se vai ou fica, uma pequena parte de crônica surge na invenção que flutua sobre o tédio de sábado da Dill. Desventuras criadas em diferentes épocas e regiões. Particularmente, eu sugeria um condado suburbano em terras inglesas nubladas.
Mas aí seriam semelhanças demais.

P.S.: Eu acabei de processar um epílogo? Ele tem razão, a história nem ao menos foi criada. Uma coisa sem pé nem cabeça que surgiu de uma música. Ao menos serviu para me levantar e espantar a mesmice com um safanão bem merecido. Continuo a desenvolver capítulos a partir daqui, com algumas peças novas de xadrez à mercê do outono e das xícaras sagradas de café.

Abraços! (:

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