terça-feira, 30 de março de 2010

Bem-vindo de volta, Frank

Caro,

Fico feliz em saber que posso comunicar boas notícias nesta carta que lhe envio. Considerando meu contingente de reclamações por minuto na última semana, devo primeiramente lhe pedir desculpas pelo comportamento digno de alguém abissalmente tolo e desprovido de senso. Prometo fervorosamente uma melhora em meu núcleo danificado no decorrer deste novo recomeço.
Como pronunciado de início, digo-lhe que as coisas por aqui vão bem, apesar das poucas contradições que me levaram a calcular um outro ponto de vista. Minha atual baía de pensamentos encontra-se bem abastecida de reações que pendem para o lado pleno de meu cérebro, não somente guiada pela parte instintiva, como antes. Considere tal afirmação um pequeno bônus gratificante de uma parcela gradativa de melhoras em meu eu. Seria ferir o próprio ego, mas admito que mesmo os erros fossem capazes de compensaram a mudança abrupta de identidade criminosa. Meu único delito foi me deixar levar pelo instinto puro de sobrevivência, cujo escape me conduziu à plenitude desejada.
É de suma importância abordar o fato de que meu porto de navegação não escaparia do náufrago certeiro e irreversível se não fosse pelas suas palavras de conforto e a promessa de manhãs melhores. A maior parcela de mim decidiu guiar-se por inteiro a este barco que carregou suas esperanças na viagem que acompanhou as minhas. A trajetória desconhecida foi o ápice de todas as decisões secundárias. Se eu preferia ter desistido do risco para seguir no velho conjugado de lembranças mofadas? A resposta agora rola fácil por minha garganta. Não. Definitivamente não. Meu lado aventureiro foi igualmente abastecido, e lhe agradeço por isso. Eu não teria sido capaz de comprar a passagem sozinha.
Entrementes, prefiro não por em pauta os motivos restantes que nos levaram a essa mudança de rota. Desventuras imprevisíveis são as mais excitantes linhas a serem desbravadas, e como você mesmo me sussurrou em uma noite tempestiva sobre minha cabeceira, o modo mais viável de se escapar do perigo é justamente lutar para enfrentá-lo. Bem, é o que farei a partir desta manhã, contrariando meu bom senso, apesar de todo o resto. Por isso estou aqui agora.

PS: Com o máximo cuidado para não contrair os dedos e amassar o bilhete de metrô.

Abraços,
Lauren.


Dobrei a folha de papel ao meio e a entreguei ao homem que me acompanhava. Não foi difícil ouvir seu riso baixo, apesar do tumulto na estação. Seus dedos roçaram nos meus, salpicando-os com as gotas da chuva que se estendia infinitesimalmente por todo o distrito de Rushmoor. Não havia falhas no tempo, contudo, eu esperava que a nova estação quebrasse o pacto rústico das nuvens carregadas.
Era de certo modo reconfortante saber que eu estava deixando essa atmosfera para trás.
Os passos de Jason detiveram-se a fim de acompanhar minha lentidão.
– Minha caixa de correspondências está lotada, você sabe...
Sua voz rouca e baixa era o único som que eu podia ouvir.
– Eu sei. Esta é a última do pacote.
Eu estava voltando ao condado natal, em Durhan. O lugar do qual – pensando sob uma nova perspectiva – eu nunca deveria ter saído.
– Cora... – meu pai me chamou por meu segundo nome que lhe era preferido, naquela voz baixa, conforme eu seguia para o metrô. – Me ligue quando chegar.
Eu me virei. Nós éramos parecidos em tudo, tanto física quanto psicologicamente. Os profundos olhos avelã postados em meu rosto pálido sob uma camada grossa de cílios longos eram os mesmos que agora me observavam. Assenti, duvidando que o tranco em minha garganta passasse de imediato; a nostalgia da partida me acompanharia pelas próximas cinco horas.
– Seus avós cuidarão bem de você – continuou ele, ajeitando a desordem dos cabelos escuros na falta de melhores gestos que disfarçassem o nervosismo. – Procure não ser tão... inflexível.
– Tudo bem, pai – envolvi suas mãos nas minhas e sustentei o olhar, ultimamente tão preocupado. – Vai ser bom para mim. Para nós.
O barulho constante da chuva tamborilava mais forte em meus ouvidos, junto do pandemônio de passos dos transeuntes. Então o torpor havia passado.
– Mande lembranças a eles – pediu Jason. Nossos dedos iam escapando, e aos poucos eu não conseguia ver mais nada além dos passageiros que me engolfavam. As portas do metrô se fecharam e eu acenei para o rosto que ainda se despedia, para o condado de Hampshire e às folhas amortalhadas que ficavam para trás...


P.S.: Primeiro epílogo oficial de meu Frankstein. É quase um milagre eu ter conseguido alguns parágrafos decentes nessa última semana de cão. Preciso de um depósito com novos ares, refrescar a cabeça, dispersar o estresse no contingente de tarefas de uma formanda que tenta a todo custo manter a identidade de escritora à altura desejada. Aos amigos, um abraço e um obrigado por me aturarem quando nem mesmo eu estava com paciência para mim. Irei resgatar meu Frank das profundezas tediosas de meu cérebro.

Abraços! (:

Nenhum comentário:

Postar um comentário