terça-feira, 30 de março de 2010
Bem-vindo de volta, Frank
Fico feliz em saber que posso comunicar boas notícias nesta carta que lhe envio. Considerando meu contingente de reclamações por minuto na última semana, devo primeiramente lhe pedir desculpas pelo comportamento digno de alguém abissalmente tolo e desprovido de senso. Prometo fervorosamente uma melhora em meu núcleo danificado no decorrer deste novo recomeço.
Como pronunciado de início, digo-lhe que as coisas por aqui vão bem, apesar das poucas contradições que me levaram a calcular um outro ponto de vista. Minha atual baía de pensamentos encontra-se bem abastecida de reações que pendem para o lado pleno de meu cérebro, não somente guiada pela parte instintiva, como antes. Considere tal afirmação um pequeno bônus gratificante de uma parcela gradativa de melhoras em meu eu. Seria ferir o próprio ego, mas admito que mesmo os erros fossem capazes de compensaram a mudança abrupta de identidade criminosa. Meu único delito foi me deixar levar pelo instinto puro de sobrevivência, cujo escape me conduziu à plenitude desejada.
É de suma importância abordar o fato de que meu porto de navegação não escaparia do náufrago certeiro e irreversível se não fosse pelas suas palavras de conforto e a promessa de manhãs melhores. A maior parcela de mim decidiu guiar-se por inteiro a este barco que carregou suas esperanças na viagem que acompanhou as minhas. A trajetória desconhecida foi o ápice de todas as decisões secundárias. Se eu preferia ter desistido do risco para seguir no velho conjugado de lembranças mofadas? A resposta agora rola fácil por minha garganta. Não. Definitivamente não. Meu lado aventureiro foi igualmente abastecido, e lhe agradeço por isso. Eu não teria sido capaz de comprar a passagem sozinha.
Entrementes, prefiro não por em pauta os motivos restantes que nos levaram a essa mudança de rota. Desventuras imprevisíveis são as mais excitantes linhas a serem desbravadas, e como você mesmo me sussurrou em uma noite tempestiva sobre minha cabeceira, o modo mais viável de se escapar do perigo é justamente lutar para enfrentá-lo. Bem, é o que farei a partir desta manhã, contrariando meu bom senso, apesar de todo o resto. Por isso estou aqui agora.
PS: Com o máximo cuidado para não contrair os dedos e amassar o bilhete de metrô.
Abraços,
Lauren.
Dobrei a folha de papel ao meio e a entreguei ao homem que me acompanhava. Não foi difícil ouvir seu riso baixo, apesar do tumulto na estação. Seus dedos roçaram nos meus, salpicando-os com as gotas da chuva que se estendia infinitesimalmente por todo o distrito de Rushmoor. Não havia falhas no tempo, contudo, eu esperava que a nova estação quebrasse o pacto rústico das nuvens carregadas.
Era de certo modo reconfortante saber que eu estava deixando essa atmosfera para trás.
Os passos de Jason detiveram-se a fim de acompanhar minha lentidão.
– Minha caixa de correspondências está lotada, você sabe...
Sua voz rouca e baixa era o único som que eu podia ouvir.
– Eu sei. Esta é a última do pacote.
Eu estava voltando ao condado natal, em Durhan. O lugar do qual – pensando sob uma nova perspectiva – eu nunca deveria ter saído.
– Cora... – meu pai me chamou por meu segundo nome que lhe era preferido, naquela voz baixa, conforme eu seguia para o metrô. – Me ligue quando chegar.
Eu me virei. Nós éramos parecidos em tudo, tanto física quanto psicologicamente. Os profundos olhos avelã postados em meu rosto pálido sob uma camada grossa de cílios longos eram os mesmos que agora me observavam. Assenti, duvidando que o tranco em minha garganta passasse de imediato; a nostalgia da partida me acompanharia pelas próximas cinco horas.
– Seus avós cuidarão bem de você – continuou ele, ajeitando a desordem dos cabelos escuros na falta de melhores gestos que disfarçassem o nervosismo. – Procure não ser tão... inflexível.
– Tudo bem, pai – envolvi suas mãos nas minhas e sustentei o olhar, ultimamente tão preocupado. – Vai ser bom para mim. Para nós.
O barulho constante da chuva tamborilava mais forte em meus ouvidos, junto do pandemônio de passos dos transeuntes. Então o torpor havia passado.
– Mande lembranças a eles – pediu Jason. Nossos dedos iam escapando, e aos poucos eu não conseguia ver mais nada além dos passageiros que me engolfavam. As portas do metrô se fecharam e eu acenei para o rosto que ainda se despedia, para o condado de Hampshire e às folhas amortalhadas que ficavam para trás...
P.S.: Primeiro epílogo oficial de meu Frankstein. É quase um milagre eu ter conseguido alguns parágrafos decentes nessa última semana de cão. Preciso de um depósito com novos ares, refrescar a cabeça, dispersar o estresse no contingente de tarefas de uma formanda que tenta a todo custo manter a identidade de escritora à altura desejada. Aos amigos, um abraço e um obrigado por me aturarem quando nem mesmo eu estava com paciência para mim. Irei resgatar meu Frank das profundezas tediosas de meu cérebro.
Abraços! (:
domingo, 28 de março de 2010
Soneto
A realidade te acolhe
dizendo que pela frente
o horizonte da vida necessita
de tuas palavras
e do teu silêncio.
Se amanhã sentires saudades,
lembra-te da fantasia e
sonha com tua próxima vitória.
Vitória que todas as armas do mundo
jamais conseguirão obter,
porque é uma vitória que surge da paz
e não do ressentimento.
É certo que irás encontrar situações
tempestuosas novamente,
mas haverá de ver sempre
o lado bom da chuva que cai
e não a faceta do raio que destrói.
Tu és jovem.
Atender a quem te chama é belo,
lutar por quem te rejeita
é quase chegar a perfeição.
A juventude precisa de sonhos
e se nutrir de lembranças,
assim como o leito dos rios
precisa da água que rola
e o coração necessita de afeto.
Não faças do amanhã
o sinônimo de nunca,
nem o ontem te seja o mesmo
que nunca mais.
Teus passos ficaram.
Olhes para trás...
mas vá em frente
pois há muitos que precisam
que chegues para poderem seguir-te."
Charles Chaplin
P.S.:Um obrigado à trilha dessa última semana; o acústico de The Last Shadow Puppets. Ah, e aos filmes que deixaram o tempo chuvoso um pouco mais doce; Elizabethtown, PS I Love You e Pride and Prejudice.
;)
domingo, 21 de março de 2010
Uma dose de palavras, por favor.
"Pensando, não pela primeira vez, que a vida deveria vir com um alçapão. Simplesmente uma pequena escotilha de saída na qual você pudesse desaparecer quando tivesse absoluto e completamente se envergonhado. Ou quando você tivesse erupções de espinhas espontâneas."
"Perder-se também é caminho."
"Todas as máscaras caem um dia. Assim como no teatro, quando falas declamadas não passam de meras palavras soltas aos ouvidos errados. Se assim fosse, haveriam sombras ao invés de atores."
"Uma ave deve voar, mesmo que o céu esteja cheio de abutres."
"A morte é apenas uma travessia do mundo, tal como os amigos, que atravessam o mar, e permanecem vivos uns nos outros. Porque sentem necessidades de estar presentes, para amar e viver o que é onipresente. Nesse espelho divino, vêem-se face a face; e sua conversa é livre e pura. Este é o consolo dos amigos e embora se diga que morrem, sua amizade e convívio estão, no melhor sentido, sempre presentes, porque são imortais."
"Num mundo onde já não há romance, o melhor é estarmos mortos."
"Descansa do som no silêncio, e do silêncio digna-te retornar ao som. Sozinho, se souberes estar só, deixa-te ir por vezes à multidão. "
"Ausência é uma forma de estar presente sem que o ausente saiba."
"Há pensamentos que são orações. Há momentos em que qualquer que seja a posição do corpo, a alma está de joelhos."
"O fim do homem é sempre mais marcado que o seu início. O pôr-do-sol, a música de encerramento, assim como a última mordida num doce, sempre mais doce no final... O que é escrito na lembrança vale mais do que o que ficou perdido no passado."
"Ele segue entrelaçando tramas e enigmas ao modo de bonecas russas. Eu sigo dialogando sobre poetas malditos, línguas mortas e obras-primas abandonadas à mercê da traça."
"Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está escondida numa caixa de bombons."
"Primeiro me fizeram os meios, depois as pontas. Só muito mais tarde cheguei aos extremos."
"A esperança é crônica. O medo é agudo."
"Uma definição não encontrada no dicionário: não ir embora; ato de confiança e amor, comumente decifrado por crianças."
"A poesia é indispensável. Se eu ao menos soubesse por quê..."
"Atuar é a arte de fazer todo mundo ficar sem tossir por um tempão."
"A vida não tem de ser preto e branco. Acrescenta-lhe um pouco de vermelho."
"Todos os livros deveriam vir com uma trilha sonora."
"Tenho milhares de momentos desse tipo - meu cérebro adormece ou algo assim e, quando me dou conta, vejo que perdi alguma coisa."
"Gosto do céu cor de chocolate. Chocolate escuro, bem escuro. As pessoas dizem que condiz comigo..."
"Contos de fadas são a pura verdade: não porque nos contam que os dragões existem, mas porque nos contam que eles podem ser vencidos."
"Muitas vezes procuramos a felicidade como quando procuramos os óculos quando estão no nariz."
"Às vezes o simples fato de você dizer que detesta alguma coisa e ter alguém que concorda pode ajudá-lo a suportar uma situação horrível."
"Anjos nunca vêm de graça.Primeiro você odeia amá-los,então você ama odiá-los."
"Nunca troquei o velho pelo novo. Desde pequena, sou antiga."
"Se você procurar todas as respostas, acabará louco. Se já for louco, procure todas as respostas. Enquanto ainda houverem perguntas, continuarei a escrever."
P.S.: Uma colher de chá com frases extraídas do baú do empório.
Na rota do conto
O porquê dessa rota?
Hoje reli Neil Gaiman - tenho um sério fascínio por Coraline - e daí parti para Stephen King. Graças a eles minhas entrelinhas voltaram para casa.
"As coisas mais importantes são as mais difíceis de expressar. São coisas das quais você se envergonha, pois as palavras as diminuem - as palavras reduzem as coisas que pareciam ilimitáveis quando estavam dentro de você à mera dimensão normal quando são reveladas. Mas é mais que isso, não? As coisas mais importantes estão muito perto de onde seu segredo está enterrado, como pontos de referência para um tesouro que seus inimigos adorariam roubar. E você pode fazer revelações que lhe são muito difíceis e as pessoas o olharem de maneira esquisita, sem entender nada do que você disse nem por que eram tão importantes que você quase chorou quando estava falando. Isso é pior, eu acho. Quando o segredo fica trancado lá dentro não por falta de um narrador, mas de alguém que compreenda."
Stare
É loucura?
sábado, 20 de março de 2010
Desventuras
Essa é uma de minhas histórias favoritas, apesar de ela ainda não ter sido inventada. Pode-se dizer que a escritora está em um processo demorado de manutenção da mente; procurando meios de ressuscitar entrelinhas perdidas. Por motivos meramente incompreensíveis aos olhos fadados à realidade sem fantasia, Dill (o pseudônimo escolhido pela escritora no conto de hoje) arrumou os prós e contras à mesa, a fim de que a história seja inventada. Embromações serão desnecesárias no decorrer das linhas. Exceto, é claro, na introdução.
Devo mencionar que a narrativa deve ser narrada a partir do fim, não do começo. Há coisas impossíveis que somente tornam-se possíveis no fim da meada, na transição de um verso a outro. Se essas coisas fossem reveladas no cabeçalho da página, elas tampouco distinguiriam o possível do impossível.
Iniciando a embromação do cumprimento, nada mais justo do que apresentar a personagem que melhor sabe separar a fantasia da realidade e, ainda assim, mesclar ambas nos momentos de silêncio. Elise preferia viver em seu próprio mundo enroscado nas camadas do mundo em que seus pensamentos não eram entendidos, compreendidos ou compartilhados. Ninguém reconhecia suas entrelinhas, tampouco sabiam o que era realizado por suas mãos no decorrer dos dias. Não era uma garotinha isolada do resto, mas também não era mais garota. Como os longos cabelos de ébano, Elise crescera em altura e maestria. Os dedos longos, brancos e sempre gelados teciam melodias sobre as teclas do velho piano herdado da mãe já falecida, como aranhas moldavam suas teias em um infinito espaço de tempo. Os olhos, profundos e silenciosos como um poço de vilarejo, por vezes gritavam, espantando epifanias à mercê das notas. Era sua única distração, sua única paixão em um conceito que ela mesma desconhecia; o golpe da graça. O resto é que se desviava dela, como um curso de trem modificado às pressas. Engrenagens iam formulando suas próprias rotas na estranheza adquirida diante da janela do sobrado onde Elise residia. A garota que não mais se encaixava nesse perfil, no ápice de seus 19 aprendera a seguir seu nariz em momentos de dúvida e desespero. Na melancolia ela traçava a felicidade de ser triste, quando vez ou outra conversava em paz consigo mesma. Não eram conversas muito proveitosas para serem levadas adiante; serviam mais de mercadoria indispensável. Em um resumo embromado, Elise era assim: uma recém jovem na busca contínua de uma identidade que a servisse devidamente. Algo que não fosse um espartilho, e sim algumas peças que lhe fossem confortáveis e a permitissem seguir sempre em frente com segurança na direção dos campos verdes. Os olhos gritantes desbravavam sonhos em cifras, os cabelos soltos corriam na leveza do vento e as poucas palavras pronunciavam-se na força da tempestade. Como um pintor, Elise tinha total acesso à sua única magia de mundo moldada nas teias de suas vontades. Ela era maravilhosamente estranha aos olhos da escritora. Uma peça única no xadrez. A excessão da desventura que se iniciava a partir do fim.
Aqui, dependendo se vai ou fica, uma pequena parte de crônica surge na invenção que flutua sobre o tédio de sábado da Dill. Desventuras criadas em diferentes épocas e regiões. Particularmente, eu sugeria um condado suburbano em terras inglesas nubladas.
Mas aí seriam semelhanças demais.
P.S.: Eu acabei de processar um epílogo? Ele tem razão, a história nem ao menos foi criada. Uma coisa sem pé nem cabeça que surgiu de uma música. Ao menos serviu para me levantar e espantar a mesmice com um safanão bem merecido. Continuo a desenvolver capítulos a partir daqui, com algumas peças novas de xadrez à mercê do outono e das xícaras sagradas de café.
Abraços! (:
quinta-feira, 18 de março de 2010
Pena e Pergaminho (em construção)
Quero escrever borrões vermelhos de sangue.
Burilando falas. Processando capítulos.
Blog em manutenção.
;)
quarta-feira, 17 de março de 2010
Pouco aos poucos
A quarta se dividiu em lapsos de serenidade e melancolia. Pela manhã, uma conversa com o pai sobre futuro. Inventei carinhosamente um caminho inacabado, compartilhando-o desajeitadamente. Não sou de expressar sonhos em voz alta; os revelo com uma piscadela, uma frase. Alguma palavra solta com o signficado do qual preciso. Cabe aos que ficam próximos decifrarem os enigmas de minhas engrenagens. Não é uma questão de lógica, e sim de contato. Meus dedos geralmente são frios, marcas que não se alteram mesmo em constante movimento na trajetória de linhas. Com mais atenção, notam-se as olheiras sob a cavidade de meus olhos; resultado de um processo intuitivo de quem se assusta em perder as entrelinhas. Tenho vontade de escrever, mas não consigo. Sinto falta da liberdade do papel, da viagem da alma, da companhia certa. Sem pensar em um porquê, criação sem esforço. Simplicidade com jeito aprofundado. Sinto falta de mim. Nesses dias tempestivos, fragmentos de mim se espalharam por aí. Restaram alguns buracos. Quando o vento sopra da costa leste, sinto a vibração reverberar no oco. Prefiro chamar tal reação de ausência; e não é que prefiro, a palavra em si não me agrada. Lembra de uma parte tremendamente desejável, mas inalcansável. Linhas insistentes que pipocam em algum lugar ao fundo, mas que não podem completar a transição concreta. Ficam presas no calabouço, à espreita, cutucando as feridas furadas. Ausência do que é necessário ouvir, que propositalmente corre pelo lado oposto ao qual me encontro. Dói, mas é administrável. Como quando o pai nega o doce após o dever cumprido. A divisão se completou no arrastar das horas, intercaladas à tarde pela companhia inocente de quem não necessita que eu faça sentido ou me explique. Estou devendo uma ao meu irmãozinho por essa. Depois da despedida costumeira, meus devaneios eram notas de piano ondulando pelos buracos. Ajudou-me a relaxar, canalizar a dor incompreensível para outros canais menos importantes. Um salgado meramente desejável. Eu estava cercada de palavras carinhosas, reconfortantes... rodeada por livros e olhares amigos que, inconscientemente, preenchiam devagar o oco originado pela solitária palavra que me fugira. As companhias preservavam meu silêncio gritante, aceitavam-no como um complemento intrínseco de mim. As linhas foram silenciando, partindo nos ombros da dúvida por outros cantos. Deixando meus ombros livres para repousarem em um abraço. Uma prova do doce ao fim da noite. Senti o vento apostando corrida com as batidas aceleradas do coração na volta para casa, emaranhando meu cabelo. Revisei meus atos, me dando conta de que nenhuma piscadela fora pronunciada, nenhuma frase fora rabiscada no cabeçalho. A palavra chave já estava esquecida. O único contato intuitivo do qual me lembro fora a conversa desajeitada no início da manhã. Eu lhe disse que teria uma livraria, um caminho inacabado carinhosamente proposto por mim mesma, um pouco aos poucos no decorrer das entrelinhas. Voltarei a escrever, separando um espaço para as expressões de meu enigma se desenvolverem. Deixarei minhas palavras respirarem, desequilibradas em meus complementos. Acompanharei o rumo do vento sempre que sentir a necessidade da vibração ondular por meus pedaços recuperados. Estou em manutenção.
Abraços! ;)
Digam "doce"...
-Nathi, tira uma foto.
Os dois murmurando cantigas de ninar, lançando olhares para a cesta de chocolates. Arrumei a câmera imaginária ao melhor ângulo, incluindo todos em um infinito segundo...
Clique."
P.S.:Dedicado àqueles que trocaram livros e apertos de mão: mana Sam, mano Will e Richard Amendoim. Um beijo na alma de cada um!
;)
domingo, 14 de março de 2010
Pauta em notas
quarta-feira, 10 de março de 2010
Baralho na mesa
— A vida sempre superexigiu de mim.
Ela disse:
— Mas lembre-se de que você também superexige da vida.
Sim."
segunda-feira, 8 de março de 2010
Aquecendo o coração, a mente... e as calças.
Não aquele frio de trincar os dentes e gelar as orelhas; desse eu sinto falta. Mas foi o suficiente para recorrer às meias. Até choveu! Os dois dias inteiros... um reconfortante barulho constante nas vidraças e no telhado. Foi bem caseiro, incluindo alguns doces e copos de guaraná (aniversário da irmã); assisti com minha mãe os vídeos de Alice (enquanto o bendito filme não chega aqui!). Rimos juntas do adorável Chapeleiro e de toda a história inventada aqui em casa - sabe-se lá como - de meu estranho parentesco com o Depp. Um sonho em forma de piadas internas, por assim dizer.
segunda-feira, 1 de março de 2010
Baile de Outono
Início de Março pesado. Algumas intrigas aqui e ali,alguns cumprimentos com segundas intenções... e muitas reclamações. É como se eu tivesse caído estatelada no cenário Gossip Girl de uma segunda feminista. Só que sem os mauricinhos e as roupas de luxo.
Minha passadinha ao empório não tem tempo para reclamações. Vou detalhar a seguir alguns de meus capítulos favoritos entre um arquivo bem complexo guardado em meu baú. Aqueles que levaram horas, dias, semanas para serem escritos e reescritos, mas que valeram o esforço em meio ao tumulto semanal que me persegue.
Previamente, as explicações. (:
Se você por acaso acompanhou todos os posts desde o início de Fevereiro, pode-se dizer que tenha uma ideia vaga do que está rolando por aqui. Ou, se sua última parada foi aqui mesmo, o bom é eu estar sempre me atualizando daqui pra frente. Assim o expediente no empório nunca fica batido.
Minha querida bibliotecária, Cora (que na verdade se intitula Lauren na maioria das vezes, mas gosto de seu segundo nome até mais do que o primeiro), acaba de se mudar para a casa dos avós paternos após um episódio nada memorável de seu cotidiano; a separação de seus pais. Ora, qualquer coisa seria melhor do que morar sozinha no mesmo conjugado cercado de lembranças, uma vez que a mãe se mandara para Roma e o pai seguira seu trabalho nos estúdios da Grande Londres. As alternativas eram limitadas. E os avós eram incomuns, a seu ver. E ao meu também, admito. Eternamente jovens e dispostos a tudo para agradar até a mais degradante alma que cruzasse a soleira da porta. Acho essa uma boa definição a respeito dos Worden.
As coisas iam bem, obrigada. Voltavam aos poucos a seus devidos lugares. Sua rotina se estabilizava, seus passos eram aos poucos reconstutuídos, apesar das breves surpresas e cafés-da-manhã surreais durante a semana. Lauren descobrira que nem tudo fora esquecido como ela pensava. Acho que está na hora de abrir o meu velho baú... retirar do fundo algumas partes do todo e ver o que acontece a seguir. Eu tenho meus palpites.
Então essa era a vida de um universitário... Você tem de estudar até todas as células de seu cérebro incharem feito bolhas, prestes a serem estouradas por algum momento de esquecimento ou rendição. Eu já me acostumara tanto com essa reação que produzia automaticamente um número muito maior de células desgastadas do que o necessário. Se significasse eu estar condenado a cumprir uma sentença com livros grossos e empoeirados e desenhos inexpressivos, eu poderia muito bem passar pelo resto.
Phil me cumprimentara com seu humor inabalável de sempre. Sua reação à minha insatisfação me fazia perguntar se realmente havia algum problema comigo, algo como uma síndrome adquirida através do anonimato. Para um cara de dezenove anos a popularidade não deveria importar tanto. Mas Phil era diferente; ele gostava de ser o centro das atenções, na educação física ou nas aulas de teatro. E por isso nos aturávamos durante anos. Eu desprezava suas atitudes impensáveis, mas admirava seu senso corajoso. Não sabia muito bem definir minhas qualidades, nem explicar como Phil me aturava.
Preferia não saber a resposta.
– Você mudou de idéia a respeito do baile? – perguntou ele em um bilhete durante a aula de artes. Franzi a testa para o pedaço de papel amassado, rabiscando um não em resposta e jogando-o para a carteira atrás da minha. Ouvi seu suspiro alguns segundos depois e não me preocupei em satisfazê-lo. Assim como ele não desistiria de tentar, eu não mudaria meu argumento original. Eu precisava recuperar o descanso perdido, algo que uma festa com todas as veteranas que tinham a vaidade marcada a ferro nos corpos magros não poderia me oferecer.
Não que eu realmente não pensasse no assunto, ainda que contra minha vontade. Vez ou outra os olhares femininos me seguiam pelos corredores nos intervalos das aulas. Cobiçosos, como leoas preparando-se para investir contra a presa. Sedutores, como quem nunca duvidava de sua capacidade de persuasão. No intervalo antes do almoço topei com duas gêmeas ruivas sorrindo para minha recepção pouco convidativa. Rapidamente recusei o convite duplo com um aceno discreto de cabeça, e voltei para a carteira vaga no fundo da sala. Com tantos representantes do ego masculino espalhados pela universidade em suas roupas que transpareciam os músculos, por que reparar no aluno rejeitado pela tribo dos jogadores deploráveis? Eu não trocaria meu anonimato nem por cem festas nos pubs dispersos da região. Algo como o senso incomum de timidez e autismo era raro e tinha de ser preservado.
Mas havia algo que me impressionava mais do que a capacidade de permanecer camuflado aos olhos das garotas mais bonitas da Claire Norms. Porque por mais que eu negasse meu envolvimento com eventos que reuniam tribos diversas que não se identificavam com meu “nerdismo concentrado”, como Phil me descrevia, crescia em mim um desejo inexplicável de aparecer no universo próximo que me cercava. Uma possibilidade remota, mas que ardia em minhas veias como fogo recusado a ser ignorado. O desejo que ficava à espreita sempre que eu o esquecia, mas que voltava com força total depois que eu voltava a me concentrar nele. E aquilo não fazia o menor sentido. De qualquer jeito, eu precisava descobrir o que era. Mesmo que isso significasse abandonar a fachada anti-social.
– Sabe, estou começando a achar que, para um evento desses, a empolgação está meio fraca – comentou Phil no intervalo do almoço.
Eu o seguia amortalhado, as mãos nos bolsos. Para mim seria tão mais fácil se eu tivesse um tampão nos ouvidos. Uma touca também serviria... No entanto, a lã não me impediria de ignorar o absurdo de seus comentários.
– Eu penso que todos aqui estão empolgados demais – respondi por minha vez, fingindo não perceber o olhar de uma menina loura caminhando mais a frente. Ela parecia meio jovem para estar ali, ou talvez fossem apenas os hormônios de crescimento com defeito.
Phil soltou uma risada. Sua expressão demonstrava toda a sua satisfação às vésperas daquele baile horroroso.
– Não é por que você se recusa a participar da festa que todos irão fazer o mesmo, Bernard – ele sorriu enviesado para a mesma garota que retornava o olhar para nós. – E já que tocamos no assunto, você poderia ao menos tentar mudar de idéia.
– Não estou muito disposto a participar do circo de horrores – murmurei secamente ao me dispor de pouca comida. A fome era mais um recurso humano que me abandonava depois do sono.
– Faça como quiser – disse ele, acompanhando-me à mesa de costume.
– Ei, caras – cumprimentou um jovem de óculos de cristal e aparência abatida. Seu cabelo louro platinado descia-lhe na altura da cintura em um rabo-de-cavalo baixo. Jhonen Nicholas Woodsen era um veterano russo que por acaso acabara se unindo ao nosso grupo pequeno e íntimo de amigos, juntamente de sua irmã, Liadan, a única menina que suportava de boa vontade nossas lamúrias.
– Bom dia – cumprimentou ela com sua voz de neve. Para uma russa, Liadan era mais do que bonita. Seus cabelos negros estavam trançados, destacando o contraste perfeito com os olhos translúcidos e a pele embranquecida. Suas linhas de expressão combinavam quase no mesmo tempo que as de Jhonen, como se eles se comunicassem em sintonia na mímica de olhares.
Era o casal de gêmeos mais estranho e fascinante que eu já tinha conhecido.
– Como vai, Dama das Neves? – brincou Phil, fazendo uma referência antes de sentar.
Liadan ergueu os olhos do livro que lia, contendo um sorriso.
A denominação não lhe era errada. Após um episódio de três noites perdidas em um pub, com o cheiro de incenso cercando a atmosfera de luxúria e uma recusa freqüente a muitos convites de dança, Phil havia perdido a oportunidade de tê-la no topo de sua lista ao receber o fora do século, como ele mesmo me descrevera.
Vindo de uma russa, a frieza não deveria ter sido tão excitante. Meses após o ocorrido e ela ainda se limitava a sorrir quando os dois se cruzavam.
Sem mencionar o fato de que Liadan era a qualificação de garota desejável por todos na Claire Norms. Além do absurdo de sua bela aparência, havia algo no modo em que ela se comunicava apenas com expressões repentinas em seu rosto branco, como se as contorções de sua face bastassem para refletir o que ela pensava sobre qualquer coisa.
Nesse momento, suas sobrancelhas formavam uma linha rígida e seus lábios grossos se crispavam em permanente silêncio.
– Então, o que acham? – Jhonen puxou assunto, brincando com a maçã nas mãos. –Isso aqui está parecendo a semana dos alucinados por noitadas...
– Concordo – respondi prontamente, sem erguer os olhos de meu prato.
– Nada mais normal vindo de vocês – murmurou Liadan, e pude ver que sua a linha de suas sobrancelhas se contorcia outra vez acima das páginas.
Não respondi, pensando que o fato de eu detestar o normal não era compartilhado por ela.
– O que você esperava? – Phil se lançou na conversa com um entusiasmo irrefreável. – Cabeças baixas e rostos deprimidos? Não estamos indo para o fuzilamento.
– Você fugiria se estivéssemos.
Ele dispensou a alfinetada de Liadan com um sorriso que mesclava malícia e divertimento.
– O que você vai fazer hoje, senhorita? – ele tombou a cabeça de lado, encarando-a a através do vidro. Claramente uma tentativa de provocá-la.
– Nada que precise envolver sua presença – respondeu ela calmamente, sem se preocupar em interromper a leitura.
Phil mordeu o lábio.
Perguntei-me se Jhonen não fazia questão de interromper as táticas falidas de Phil em relação à sua irmã. Ele parecia tão passivo nessas horas. Talvez não o incomodasse realmente que um garoto mulherengo estivesse abrindo as asas para cercá-la, ou o motivo para Jhonen ignorá-lo seria justamente para não se aborrecer mais do que o estritamente necessário.
Mas ele era tão diferente quanto sua irmã gêmea. Jhonen era o único garoto que se comprometia em cursar dois estágios e gostar realmente do que fazia. Literatura e Matemática eram as vias de seu conhecimento e formas de pensamento que se uniam com os da irmã como um fio perfeitamente remendado.
– Você me disse que tinha planos depois da aula – comentou Jhonen, olhando-a de relance.
– Sim – concordou ela, finalmente fechando o grosso livro. – Eu pretendia passar no Theatro para me inscrever na secretaria... Estão precisando de novos atendentes.
Eu congelei em minha posição já paralisada. De vez em quando eu esquecia a paixão de Liadan por Artes Cênicas e birutices conturbadas em cima do palco.
– Eu posso ficar a tempo para os ensaios abertos de Angelus – continuou ela, sorrindo mais pronunciadamente agora que Phil desistira de bancar o cavalheiro. – É uma linda peça.
Continuei em minha posição de estresse, me sentindo meio verde.
– O que foi? – perguntou Jhonen, notando minha cara perturbada.
– Nada – respondi por reflexo, de repente desejando não ter posto nada no estômago. Eu estava com náuseas.
Phil me lançou aquele olhar desconfiado de sempre.
– Você está bem? – perguntou ele, me examinando. – Sei lá, você parece meio...
– Eu sei – interrompi suas especulações e desisti do almoço patético. Pedindo licença aos amigos que me olhavam preocupados, levantei-me da mesa com a bandeja em mãos, despejando todo o seu conteúdo na lixeira mais próxima e pousando o objeto vazio na prateleira da bancada. Rumei para a porta transversal que dava para o pátio e Phil me olhou novamente. E não me importei em parecer normal naquele instante.
Assim que pisei no gramado úmido da garoa, pude soltar o ar em meus pulmões. O olhar de Phil dizia claramente o que eu pensava sobre mim mesmo. Era apenas uma paranóia ou eu estava me tornando retardado. Se ao menos eu conseguisse voltar ao torpor de não ser reconhecido, se pudesse imergir de volta em meu mundo sem cores e ficar à vontade para não fazer contato com ninguém importante... Uma única frase bastara para me arrancar de meu estado fatigado e inexpressivo e de certa maneira aquilo me incomodava. Aborrecia-me. Encarei as árvores ao redor, unidas em sua magnitude e extensão, as folhas caindo mortas no chão com o mais leve soprar do vento. Odiei aquela estação e os pensamentos que continuavam gritando em minha cabeça. Odiei o baile que nem havia começado, mas que já causara estragos suficientes na maneira como eu me sentia. A obsessão de ser notado pela única pessoa que não se importava com o acontecimento prévio mais do que eu corrompia meus nervos.
Havia algum modo de ela compreender ou ignorar o acaso como eu tentava fazer com todas as minhas forças? Durante minha permanência naquele espaço que embaçava minhas decisões e julgava a incoerência como em todos os rostos que eu era obrigado a ver por todos os longos dias, resposta alguma me explicava o que havia de diferente. Eu me sentia como se estivesse tão monopolizado quanto eles, e isso me fez sentir apatia por mim mesmo. Novamente as respostas me fugiam, sem me dar tempo para voltar à coerência. Impaciente, larguei-me na relva e mirei as nuvens tempestuosas, desejando afundar na textura que me comprimia."
2ºParte - Vultos (Cora)
"Sempre atribuí a mudança de planos como algo inevitável a ser cumprido. Cá estava eu, na tranqüilidade reprimida de Derwentside pelo propósito de não me envolver mais na relação instável de meus pais. Minha paixão por livros e a facilidade em compreender esse universo em um espaço que eu já considerava um verdadeiro lar era apenas um segundo motivo. O estágio corria bem – apesar dos pequenos conflitos – e, quando conseguia algum tempo livre, me ocupava em recuperar a liberdade em peças teatrais. Essa semana estava sendo pior do que as outras; Angelus possuia uma complexidade difícil de ser administrada para alguém permanentemente instável. Porém, na maior parte do tempo, eu não conseguia me desviar de nada além do expediente na biblioteca.
Bem, as coisas haviam mudado um pouco na última semana.
O Baile de Outono ocorreria dali a algumas semanas. O alvoroço entre os corredores era tangível, pesava no ar como uma carga elétrica e intensa. Estava em todas as conversas e cartas e murmúrios. Era a festa que marcaria o fim do segundo semestre e serviria de desculpa para aproveitar a nova estação. Se não fosse algo tão importante para o resto do corpo estudantil, eu diria que o evento não passava de uma oportunidade para mais encontros e horas discutindo qual traje se destacava mais. Apenas uma noite para esquecer a rotina cansativa que esgotava a capacidade de concentração. Eu poderia sobreviver a isso... Embora admitindo que não conseguisse encontrar um par a tempo. Muito menos um traje apropriado... A vontade de ir não passava de uma pequena motivação para interrogar a mim mesma quem compareceria. As possibilidades eram mínimas.
Então, contradizendo tudo pelo que eu estava sendo obrigada a enfrentar normalmente – sem mencionar a separação iminente que rompera os laços de matrimônio de meus pais e a recente declaração de meu melhor e único amigo anteriormente – eu estava metida em outra enrascada. E dessa vez eu nem cruzara os dedos.
O diretor da universidade, Argus Brookwel, um sujeito alto e íngreme com autoridade suficiente para calar os mais depraváveis alunos calouros, acabara me encontrando sabe-se lá como em meu terceiro dia atrasado na semana, na situação mais deplorável em que já estive; olheiras sob meus olhos e aquele humor de espantar moscas. Para seu incompreensível prazer e minha total surpresa, ele trouxera consigo a última proposta que eu esperava aceitar.
E como eu andava sempre surpreendendo minhas expectativas com artefatos bizarros que nada tinham a ver comigo, decidi arriscar o que a supremacia me impusera.
Entrementes, eu seria a responsável por criar o tema do baile. Graças à recente descoberta do diretor subitamente empolgado por meus dons ocultos. Era verdade que eu sempre ajudava nos preparativos de festas familiares em Londres, - a maior parte delas tramadas por Jason em seus momentos inlúcidos -, justamente por gostar do passatempo e me identificar com as decorações vitorianas em tons escuros e quentes que tanto descreviam minhas prioridades em eventos triviais. Restava descobrir se Argus afinal havia feito uma pesquisa a fundo sobre meu passado mais convidativo e menos recente.
Do qual eu não gostava tanto de lembrar.
Não havia como desapontá-lo agora. Mesmo sendo raptada na toca do lobo eu ainda conservava minhas motivações. Ele nem sequer desconfiava das reais intenções por trás desse ato, é claro. Eu concordara em ajudar se fosse preciso... Mas uma parte de mim queria reconhecer esse desejo como algo satisfatório.
Eu estava sentada embaixo de uma árvore torta, sobre as grossas raízes que quase se encontravam com os galhos curvados, no intervalo do almoço, mal reparando nas folhas secas que caíam na relva pegajosa. Meus olhos exaustos examinavam os detalhes de esboços do tema na tela do laptop. Eu não podia deixar de admitir que fosse um pouco macabro, e que havia escolhido exatamente aquele de propósito. Uma reação às normas não cumpridas e à violação das regras por meio de olhares mal intencionados. Ajeitei meus óculos de modo a poder admirar minha obra-prima, digna de um filme de terror.
Um pátio que lembrava muito com uma floresta nessa época do ano ocupava toda a tela, cercado de árvores mortas e folhas secas, iluminadas pela claridade fraca do fim de tarde. A lua se pronunciava pelo abeto das copas, refletindo no centro, onde se encontrava um vulto encapuzado virado de costas, parecendo prosseguir cada vez mais fundo no coração escuro da aparente floresta sombria. Bem acima, os dizeres em letras douradas: Baile de Outono. Claire Norms University. Eu estava pensando em acrescentar mais alguns vultos dispersos, quando escutei passos chapinhando no gramado, a menos de um metro.
Ergui meus olhos preguiçosos e cansados na direção dos passos. Quão surpresa fiquei ao notar quem caminhava na direção do abrigo de árvores que formava algo parecido com uma cabana no centro do pátio sobre o gramado denso e pegajoso.
Bernard parecia ansioso, ou perturbado. Era difícil interpretar suas emoções ao longe, conforme ele se desviava cada vez mais para a acolhedora cabana verde. Demorei esse tempo para escutar meu coração bater furiosamente contra minhas costelas. Era uma reação ridiculamente idiota. Apenas um veterano – o responsável pela grande camada de estresse grudada em cada pensamento que me escapava – com prováveis dores de cabeça. Imaginei se os motivos que o levaram a interromper o almoço fossem tão justificáveis quanto os meus. Tentei manter meu corpo relaxado e meus batimentos sob controle, forçando a ânsia dos olhos a se reduzir e vagando o olhar para outra pequena cabana de árvores do lado oposto ao que ele se encontrava.
Claro que eu não consegui mudar a rota. Agindo inconsequentemente, como uma completa idiota, fechei o laptop e me levantei cuidadosamente, em movimentos de espiã. Não parei para pensar no que estava fazendo; se era somente uma distração, eu não saberia dizer. Não valia a importância iminente, era algo feito para o próprio benefício. Escondi meus cabelos no capuz e caminhei devagar em direção a Bernard, mal contendo a pulsação. Pretendia encontrá-lo ao acaso, dando a idéia de que estava tão perdida quanto ele. Mas eu nunca fora uma definição discreta. Meu blefe me entregaria em um momento ou outro.
Observei-o largar-se na relva, como se estivesse cansado da rotina. Seus cabelos escuros estavam molhados, fortalecendo o contraste com a brancura de sua pele. Era fácil perceber a mudança de sua expressão interferida pelo clima, mesmo a alguns metros de distância. Com os olhos fechados, as olheiras não se destacavam tanto na cavidade levemente roxa. Mas eu não poderia ver o azul de perto... Sempre haveria alguma desvantagem no modo como eu o admirava e o detestava em partes igualmente perturbadoras. O contato de seu corpo com a relva umedecida fez com que eu me contentasse basicamente em observá-lo. Ele parecia muito menos esgotado ou frio daquele jeito. Mas ele poderia voltar à superfície... A vantagem era a de que seus olhos estariam abertos, perceptíveis o bastante para me constranger.
Depois de alguns minutos o medo me venceu. Não seria satisfatório ser a principal suspeita de um encontro planejado. Minha gafe teria que se romper. Com um último olhar de despedida para o garoto estranho, voltei para o percurso que me levaria mais uma vez ao humor de espantar moscas."
Como já dissera um sábio, por hoje é só. Meu humor também não está cem por cento, o que espero curar com uma dose de café antes de dormir. Se alguém daí chegou até este final, peço que comente, critique, acuse, elogie, cumprimente... Enfim, uma simples opinião em um comentário, em qualquer lugar do empório. A Nani aqui agradece!