sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Tea Party. Do ya wanna come?

"As grandes coisas não são feitas por impulso, mas através de uma série de pequenas coisas acumuladas."

Grande preguiça nesta sexta-feira. Para não passar em branco, decidi resgatar um antigo post, escrito há algumas noites atrás, sem nenhuma graça. O que talvez explique a fuga da própria graça para o país de minha crônica. Dedicado agora para alguns amigos de rostos tristes que passaram por mim hoje. Vou me lembrar de convidá-los a um passeio para este lugar, meninos.

"Foi assim que acabei redescobrindo uma criança adormecida dentro de mim. Aquela criança que passou a maior parte dos últimos dezoito anos dormindo no sótão acima do meu quarto, imobilizada em um sono profundo que parecia durar uma eternidade em apenas um segundo.
Um ato impulsivo de curiosidade compulsiva. Foi desse modo que criei coragem para subir os degraus e abrir a porta, andar devagarinho na direção da menina de olhos fechados na perumba. Eu quase não estive ali nos últimos anos. Mais por medo do que por falta de interesse. Há algo mágico naqueles degraus que sempre me intimidou.
Fuçar o território do chão empoeirado na procura desesperada por alguma lembrança soterrada enquanto ela permanecia em um mundo mágico revelado por detrás das pálpebras. Seu ronronar era reconfortante, acolhedor... tarnsmitia coragem. Continuei minha busca pelos cantos, em silêncio gritante. O coração pulava descompassado, como se soubesse de minha traquinagem e discordasse dela.
Onde estariam as memórias? Onde estariam os recheios vividos que preencheriam as lacunas em branco? As historinhas das quais eu recordava dos velhos tempos em que podia brincar sem culpa, cair do balanço, pular na cama da mãe e do pai em meio aos risos... será que a menina os havia escondido de mim, como uma criancinha perversa? Seria muito errado despertá-la agora?
Uma resposta pairava acima de todas as perguntas não verbalizadas no escuro. A menina não precisava ser despertada. Ela começava a acordar lentamente em algum lugar dentro de mim, os olhos preguiçosos, de tanto adormecerem, apalpando a superfície gelada de meu peito, procurando algum sinal que a tragasse de volta para o Mundo das Maravilhas.
Um mundo sem dor.
Eu a havia cutucado sem querer durante a busca, tropeçando em um chapéu enxovalhado que residia no chão, de boca para cima. Grande, misterioso... convidativo. O ronronar cessara. Meus passos levaram minhas mãos ao objeto de estranha luz no fundo; as profundezas do chapéu pareciam intermináveis. Eu tinha medo de baixar a cabeça e cair no mesmo mundo onde morava a menina que eu despertara por acaso. Eu não queria ter de cair lá dentro. Eu não gostaria de sonhar... para quê?
O chapéu guardava minhas lembranças em seu fundo sem fim.
Era um convite irrecusável. Uma tentativa de me resgatar do meu próprio mundo sem graça e tão comum, uma chance para desbravar minhas próprias experiências do passado. Um túnel do tempo em um chapéu maluco. E se eu não pudesse voltar? E se eu estivesse condenada a permanecer naquela terra para sempre, cercada de criaturas incomuns e encantadoras que me fariam lembrar o que eu tinha esquecido? Eu estava com medo? Onde estava meu senso de aventura?
A falta de espírito me fez sentir raiva. Eu não era daquelas que arriscavam o que pudessem sem se dar ao trabalho de pensar em um motivo que fosse idiota o bastante para ser justificável. Sempre contando os minutos e segundos, em um ritmo constante de tempo. Tic-tac, tic-tac, tic-tac... Sem graça como as coisas sem graça desse mundo. Eu agora queria algo com graça. Algo para poder contar, relembrar e guardar, sem nunca se deixar perder. Sem mais tic-tacs.
Minha cabeça curvava-se para a passagem. Esquecendo da traquinagem e do barulho agudo de meu coração agitado, ajoelhei-me no chão e vi a mim mesma no reflexo de uma lembrança. Opaca, mas única. Meus tempos de criança. Os olhos sorriram, marotos, convidando-me outra vez.
Os olhos da menina que esperava, ansiosa, para me levar consigo ao seu lar. Para me apresentar ao dono do chapéu velho que guardava protetoramente minhas recordações mais preciosas de um tempo que na verdade nunca fora esquecido, mas que ficara adormecido por tempo demais.
Exatamente como a menina que estendia a mão para mim, esperando, com seus olhos sonhadores.
Meus olhos. "

P.S.: Texto inspirado em Alice in Wonderland, meu conto favorito de todos os tempos. Dedicado àqueles que ainda estão à procura de suas lembranças mais felizes. Elas podem estar nos lugares mais improváveis... como um sótão, por exemplo.
Um abraço especial às velhas amigas do sul. Daff, Lu e Dani, suas marotices em uma madrugada de sábado me fizeram sentir como se eu estivesse aí com vocês. Como uma Festa do Chá. Saudades.
Agradecimento rápido à minha trilha. Sara Bareilles e, óbvio, aos vídeos de Alice que deixaram a noite um pouco mais feliz...





Até a vista! (:

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