segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Cabeçalhos e Rodapés


"As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais." Fernando Pessoa

Hoje completei mais um turno nas livrarias. Duas delas, mais precisamente localizadas no centro da avenida. Eu realmente me perco dentro de mim mesma em um lugar com tantas histórias diversificadas que convidam o leitor a folhear as páginas à procura de uma narrativa que valha a pena ser desbravada. Sem dúvida, meu cantinho preferido em meio a tantas ruas que se estendem como cobras por quilômetros a fio no litoral.
Entre tantos outros pensamentos que correm soltos nesses breves momentos, percebi o quão difícil é encontrar o primeiro capítulo de um shoujo mais antigo que dirá meus 18 anos, assim como é ruim namorar uma caixa de pequenos cadernos contendo anotações da escritora cujas obras você acompanha desde que se conhece por gente, e não poder guardá-la na bolsa. Paciência, é o nome de minha angústia de segunda-feira. A única virtude que eu definitivamente não possuo. Um de meus muitos defeitos.
A segunda parada foi na "lojinha da bruxa"; muitas fadas suspensas no teto por barbantes, trilogia de Senhor dos Anéis, tarô, cheiro de incenso... outras definições de empório. Um breve passeio que me trouxe de volta ao ponto inicial. Mais uma dessas viagens no tempo.
A criação de minha própria obra.
Já faz algum tempo - começo de agosto de 2009, mais precisamente - comecei a ter sonhos estranhos. Não que eu não os tivesse antes, porém, nesse período de tempo eles se tornaram mais nítidos. E comecei a ficar ligeiramente apavorada com os cenários cada vez mais frequentes, e abismada com minha capacidade de por os sonhos em palavras que aos poucos foram se tornando epílogos, depois capítulos. Somado com o fato de que eu fabricava um livro no cérebro desde novembro do ano retrasado, minhas ambições me deram muito o que pensar. E muito mais o que fazer.
Os sonhos basicamente se alternavam entre outono e inverno. Uma estação amena e acolhedora emendando-se em um laço na outra que carregava o frio intenso e a neve nas costas. O palco onde elas se desenvolviam era uma pequena cidade britânica, ainda sem nome definido na época, mas que conservava as construções vitorianas e acinzentadas de séculos passados. Em resumo, um lugar clássico, perfeito encaixe para os personagens que também perambulavam por meus sonhos frequentes.
E aqui vai uma explicação. O bebê pergaminho se originou oficialmente em meados de 2008, em uma noite qualquer de uma semana qualquer em um curso de pré-vestibular. Não que eu não prestasse atenção nas aulas, mas nunca adaptei total concentração em explicações numéricas que, na época, não faziam muito sentido. Enfim, foi naquela sala que o rascunho se desenvolveu. Em minha carteira proporcionei a origem da trama, com poucas opções na época(minha mente não era muito dada a grandes aspirações). Ao menos eu tinha um arquivo de nomes sob a manga, ainda que limitado.
De início, um rapaz veterano de uma universidade local, sem curso definido, mas que a porpósito chamava-se Bernard (sem sobrenome; sim, haviam muitas falhas no contexto), um simples humano introspectivo e reservado em sua própria órbita, que acabou por conhecer a bibliotecária da dita universidade. Lauren (também sem um sobrenome), filha de pais separados, baixinha e esquálida. A princípio, não havia nada que me impulsionasse a ir adiante. Somente um veterano estonteante e uma garota magrela não pareciam um tema muito digno de ser explorado. Foi então que me veio a luz, no meio de uma aula intragável de matemática, onde eu sequer prestava atenção na voz arrastada do professor.
Tema tanto quanto clichê nos dias de hoje. Envolvente, encantador. Assustador.
Vampiros.
Sim! Agora certamente valeria a pena - e muito - explorar a história desse ângulo. Uma família de vampiros, sem nome, sem dons, mas que já me influenciaram a desistir da matemática e entrar de cabeça na cidadezinha do aparente casal. A partir daquela noite começava meu ciclo do sono. Muito sono e pouco tempo para dormir. Mas eu não me importava, concentrava-me em pesquisar todos os aspectos que valessem um cantinho em meu futuro livro. Nunca lera nada sobre vampiros e coisas do tipo, eu só assistia Buffy. E essa era uma parte muito fraca no todo.
Outra explicação: só eu sei o quanto meu estoque de inspiração era limitado. Drácula, Nosferatu, Anjos da Noite... não era um ponto fixo para se começar uma trama. Claro que, naturalmente, vieram as fontes que ajudaram no decorrer das ideias lunáticas, partindo do ponto de vista de um projeto de escritora com um projeto de livro em mãos. L. J. Smith, com seus diários de vampiro e toda aquela história de que tais seres místicos precisariam ser convidados a cruzar a soleira da porta (impossível não aludir ao termo. Fico devendo essa). E mais algumas revistas dadas de presente por amigos do 2º, minuciosamente contendo outros cenários que aumentaram a quota de ideias; tolhidas naquele tempo. Obrigado por partilharem de minhas loucuras, meninos.
Seguiu-se uma rotina. Estudo, livro, curso. Depois da viagem, mais trabalho e livro. Eu finalmente tinha um esboço do que futuramente seria o começo da saga; nomes para meu clã, tramas enlaçadas e algumas divertidas tragédias. Os dons e os demais aspectos cruciais para essa história só viriam depois, quando minhas aulas reiniciaram e eu pude obter mais tempo livre.
O trabalho propriamente dito começou após as férias de inverno. Meu casal já tinha nome, sobrenome, família e suas origens. A trama se passava em uma cidadezinha inglesa chamada Franklin. O cenário de repente se tornou muito mais fascinante. O veterano não tinha nada de especial até então, mas exercia um alto nível de persuasão sobre a pobre bibliotecária que, por sua vez, chegava a ser apaixonante para ser considerada normal. E assim os pontos iam se interligando - possíveis herdeiros de um trono mais antigo do que as roupas puídas de Merlin, dilemas envolvendo o mundo dos humanos na guerra civil e a família de vampiros antecedentes ao meu clã. Paixões proibidas, dons maléficos, olhos enigmáticos. O cerco se fechava do jeito que eu sempre queria que fosse, ainda com algumas falhas, mas quase que completamente formado. O ciclo do sono era uma coisinha mínima àquela altura...
Depois de escrever, reescrever e reescrever de novo, burilando tudo quanto foi descartável e incluindo tudo o que fosse importante, comecei a sonhar outra vez. Mas o outono tinha sumido. Uma camada de neve cobria tudo ao meu redor e eu via um futuro muito diferente do qual pensava que havia acabado. Um segundo livro. Essa ideia me fazia cócegas e meu pânico recomeçava. O que eu faria para não deixar a história caída, sem graça? Nisso eu ainda estou pensando, aos poucos, enquanto termino meu primeiro filhote recém-criado. Resultado de meses e meses de distúrbios. Minha mãe ainda diz que minha cabeça não pensa como a de todo mundo, o que, para mim, é um grande alívio. Mal consigo pensar em como seria ruim pensar como todo mundo e ser incapaz de seguir narrando o imaginário em camadas no relevo coberto de neve espessa.
Mais uma vez, devo minha gratidão à minha mais recente fonte de inspiração. Não sou o primeiro protótipo de escritora e não serei a última a louvar a banda Muse. Eu não saberia de onde tirar forças para seguir caminhando sobre as folhas na neve. Sei que devo muito à Matthew Bellamy, cuja voz estaria mesmo perdida se dependesse do quanto eu escutasse suas músicas inspiradoras. Obrigada, Muse, por partilhar de minha insanidade nos dias de calor insuportável, permitindo que eu criasse Autumn e Winter com um afinco que não esperava ser possível. Um agradecimento especial às minhas novas descobertas que também fazem parte de minha trilha; Copeland e Lostprophets.

P.S.: último agradecimento da noite à minha irmã de coração. Lindo comentário, Ann. Sem dúvida, tu és o S do meu 2. Obrigada por sua compreensão e pelos minutos intermináveis de conversa à distância em que minha boca tagarela mais do que a sua capacidade de soltar palavras.


Abraços! (:




Nenhum comentário:

Postar um comentário